domingo, 6 de outubro de 2013

ESTRANHO É ACHAR NORMAL

Acredite. Quando olho para o restante dos transeuntes e até acho que sou algo que veio do alem. Muitos infelizmente ainda se assustam. Não sei se devo retratar este estranhamento, como estranhamento. Mas quero retratar este olhar, como se eu tivesse saindo de mim. Indo para dentro de outra pessoa. Pessoa essa que teria visão, pois a meu ver, olhar, enxergar me é tão estranho, como ser cego para quem enxerga. Faço uma leitura um tanto quanto desconjuntada de um olhar talvez escuro, mas com minha clareza...
Meu olhar é tão mais claro que o olhar de muitos, pois no meu olhar, enxergo o que vejo, ou até mesmo, o que não vejo por outra ótica. E quem pode contrariar que a meu ver, estou vendo, ou não.
Caminhar pelas calçadas com tantos obstáculos que para você que está lendo este escrito, que rascunho neste papel parece ser “normal”, mas como conseguirei afirmar o grau de normalidade se nunca pude saber o que é, ou não normal. O normal a meu ver pode ser este, pois me acostumei tatear o chão com este “pauzinho” ou “vareta”, ou o nome que queiram dar para os meus olhos. No entanto o normal a seu ver, caro leitor, pode ser um chão sem obstáculos. Obstáculos estes que meus olhos tateiam e por vez não sabem nem ao menos o que é.
E assim vamos caminhando pelas calçadas da vida...
Parece-me estranho, embora seja rotineiro viver a situação que vivo.
Como explicar o que não tem explicação, mas apenas se vive?
Saio de casa, pego aquilo que para gente é uma vareta, pauzinho, muleta, ninguém sabe bem o nome...
Vivo no mundo dos estranhos, eu sou estranho, as pessoas são estranhas, e assim continuo andando.
Para alguns a me ver andar, comenta com um amigo, olha La, isso que é exemplo!
Não sei do que, mas falam que sou exemplo...
Outros, já parecem mais acostumados, olham, e como se estivesse prevendo a tragédia acontecer, assiste de camarote.
Puum! La se vai minha cabeça que bate em um lugar que não consigo saber o que é.
Sinto-me tão estranho, que nem as pessoas que estavam naquela calçada, foram capazes de me avisar de um obstáculo.
Xingo, fico emputecido, mas começo à andar, talvez meu interior diz que isso não será mais estranho, outras tantas vezes vou continuar batendo a cabeça, a perna, e nem precisa fazer
Qualquer estranhamento pra saber que certamente bater algo que mais irrita qualquer cego, seria o rosto
Não sei se por querer, ou pela naturalidade os movimentos começam a sair ritmados, como músicas. Pé direito à frente, bengala para esquerda. Pé esquerdo à frente, bengala para direita. E assim, vou caminhando.
Mais alguns metros nesse ritmo lento, como se estivesse dançando uma música romântica, chego ao farol:
Tenho que ser estranho!
Tenho que vencer meu medo, confiar em pessoas que eu nem conheço, ou seja confiar em um ser estranho, assim como eu, não! Não pode ser como eu, só eu e outros tantos milhões de seres estranhos sabe bem como é ser estranho.
Ufa, chegou uma pessoa!
Acho que vai me ajudar. No mundo dos estranhos não existe comunicação, é simples assim, não precisa perguntar, as pessoas parecem adivinhar meio que por telepatia.
Vem! Diz ela, mas ao mesmo tempo em que me diz para eu ir, me puxa, pela roupa, pela minha vareta, por onde for possível me puxar.
Calma, estou vivo, digo para eu mesmo
E a pessoa que me ajudou? Já sei.
Está aliviada, com a sensação que ganhou o reino do céu.
Ainda bem que deus não julga dessa forma, se não, o que seria do céu? Mas isso nesse momento não me importa, sigo em frente.
Chego ao trabalho, realizo minhas funções como de praxe.
Hora de ir embora, novamente o martírio, cabeçada no poste, puxões nada excitante pelo pau, opa, bengala, mas agora com uma diferença.
A essa altura do campeonato ninguém é mais estranho. Nem mesmo as calçadas quebradas, bueiro aberto, nem mesmo quando caio dentro dele, e uma velha me pergunta:
Você caiu?
E gentilmente, tenho de responder: Não. Estou procurando a porta de minha residência. A senhora pode me informar onde é?
Não, não é mais estranho, estranho seria um cego, um cadeirante encontrar calçadas decentes para andar, com rampas, sem carros sobre elas, sem árvores ou orelhões, em fim uma calçada, pois por enquanto continuo sonhando com o meu estranhamento, e vivendo minha realidade de cego. Se para você que ler isso que descrevo é estranho. Acredite. Também refletindo e refratando minuciosamente nas minhas andanças, me deparei que também sou estranho.
Sou tão estranho, por ser cego. Que me pegam, ou pegam a minha “cegueira”, como estranhamento. Pegam minha ausência visual, para estudarem. Então. Devo ou não afirmar que sou tão estranho, quanto quem “enxerga”.

Por: Tiago Lemos

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